Partindo do princípio de utilizar a nossa realidade como laboratório vivo, Alagados, em
Salvador/BA, torna-se emblemático para narrar o racismo ambiental. Você conhece a
nossa história!? Muitos de nós, itapagipanos, vivenciamos um território autoconstruído, ou
seja, bairros como Uruguai, Vila Rui Barbosa/Jardim Cruzeiro, Massaranduba, Mangueira
foram constituídos em cima d’água, formando um conjunto de ocupações ao longo da
Enseada dos Tainheiros, uma área de mangue, onde eram erguidas as palafitas.
As palafitas eram a única condição de habitação que as pessoas que foram atraídas para o
território em busca de emprego e melhor qualidade de vida tinham para morar. Era este
mesmo lugar onde muitas famílias complementavam a renda e matavam a fome devido ao
acesso direto aos frutos do mar, uma vez que as casas eram construídas sobre uma área de
mangue.
Foto de Carvalho, 2002
Formada majoritariamente por mulheres negras, Itapagipe foi, ao longo de décadas, se
transformando: a cidade das águas e palafitas foi dando lugar a sucessivos aterros. O lixo
da cidade alta de Salvador era encaminhado para o território como forma de aterrar e
construir as áreas sólidas, tornando Alagados o primeiro lixo da capital baiana. Os
itapagipanos e as organizações que existiam no território entendiam que não era possível
viver com tal situação, era necessário agir de forma conjunta para a garantia de direitos e
incidir também em políticas públicas básicas, no primeiro momento, e, posteriormente,
incidir em políticas específicas. Naquele momento o que importava era a melhoria da
qualidade de vida. Assim, funda-se a Comissão de Articulação e Mobilização dos
Moradores da Península de Itapagipe (CAMMPI).
Era nítido que tais situações e negações de direitos não aconteciam só em Itapagipe. O que
se percebeu é que isso acontecia em outras regiões da cidade de Salvador, mas o que se
tinha em comum!? Essas regiões eram formadas majoritariamente por pessoas negras.
Mas Salvador não é a cidade mais negra fora do continente africano? Como discutir todas
as desigualdades que a população negra sofre, entendendo que não era meramente pelo
acaso?
A ONG Centro de Arte e Meio Ambiente – CAMA, juntamente com a rede CAMMPI
desenvolve então uma tecnologia para dialogar com o mundo, ou seja, com a população
urbana, do campo, da floresta e das águas – o Observatório do Racismo Ambiental – que
surge com o intuito de externalizar as condições de vida da população negra e as violações
de direitos que nos acometem.
Enquanto mulher negra e pesquisadora do Observatório do Racismo Ambiental (ORA),
acredito que o ORA tem um papel que é de apresentar para a sociedade que muitas das
situações que passamos, vivenciamos e a temporalidade dessas condições são Racismo
Ambiental. É necessário construir conceitos com os territórios para que possam identificar
as violações de direitos e propor alternativas de forma conjunta. Sobre os próximos passos
para o Observatório é buscar parcerias para captação de recursos para que essa iniciativa
seja possível de ser replicada em outros bairros, em outros territórios negros do Brasil.